
Por Natália Beserra
Já sentiram aquela dificuldade em começar a escrever sobre um
assunto que na verdade você sente que acontece no corpo? Fiquei mais de
duas semanas para iniciar este texto (e to falando muito sério). Então,
decidi mudar a lógica da escrita: ao invés de me preocupar mais com o
conteúdo em si, percebi que deveria primeiro falar sobre a comunicação
que gostaria de estabelecer aqui com você, leitora ou leitor. Este texto não
tem intenção acadêmica, não quero falar difícil, nem propor verdades
absolutas. A proposta não é de informar dados, mas sim de estabelecer
diálogos de discussão. Se você for mulher, muito provavelmente poderá se
ver diversas vezes durante a leitura deste artigo, poderá se identificar ou
lembrar de situações que você e/ou outras mulheres próximas a você
vivenciaram. Peço que se você sentir algum tipo de gatilho emocional,
sensitivo ou psicológico, não continue a leitura. Cuide de si ou procure
alguém confiável para que possa conversar de uma maneira que seja o
mais saudável possível para você. Mas caso você seja homem, eu peço o
contrário: peço que leia com atenção todas as ideias apresentadas neste
diálogo, peço que perceba em si se ao longo da leitura você levanta
sentimentos de autodefesa, de questionamentos ou de reconhecimento,
peço que não entenda esse texto somente como um tipo de artigo
pro-feminista, que você veja aqui uma possibilidade de construir na dança
um lugar de conforto, segurança e união entre homens, mulheres e
pessoas não-binárias. Pode ser?
Há algumas semanas atrás, eu utilizei o Instagram do @projetonab,
local onde disponibilizo conteúdo educativo sobre dança, para falar sobre
machismo, abuso e assédio contra as mulheres que dançam. A publicação
não só abordava o assunto de maneira leve, como foi idealizada através de
um pequeno manual. A proposta foi de disponibilizar 7 situações em que
homens poderiam aprender sobre como não ser e não realizar atitudes
machistas e abusivas. Acho que o importante por agora não é pensarmos
nas 7 situações em si, mas pensarmos em um contexto mais amplo e
entendermos a necessidade de assuntos como este serem trabalhados
especificamente dentro do universo da dança.
A dança é uma atividade artística que coloca em primeira instância
na cena o corpo. O que está em evidência ali, além do acontecimento
dançado em si, é o corpo da pessoa que dança. Se pensarmos esse corpo
como feminino, ele não só estará carregado de estereótipos sociais como
sofrerá também uma série de pressões estéticas e políticas. "Como assim,
Ná?". Vou dar uma explicadinha: o gênero feminino sempre foi colocado na
sociedade em posições inferiores - aquelas coisas que todos e todas nós já
sabemos, né? As mulheres não tinham direito ao estudo, à profissão, ao
voto, não tinham direito, inclusive, ao próprio corpo. O corpo feminino
branco era vendido em troca de bens, nomes e status para o homem que o
comprasse. E o corpo feminino negro era roubado. Situações históricas
como estas fizeram com que hoje o corpo da mulher, mesmo que não seja
mais uma propriedade privada ou governamental, seja ainda um assunto
público, onde as pessoas se sentem à vontade para fazerem comentários,
críticas, xingamentos e exclusões.
Bom, e como isso acontece no universo da dança? Através de
assédios em comentários nos vídeos ou fotos de mulheres que dançam
encapados de supostos elogios, em falas como "não conheço mulheres
que dançam bem em tal modalidade" por idealizarem parâmetros
estéticos masculinos de movimentação, em ausência de mulheres
representando a organização de um festival, a line-up de um evento ou a
banca de um júri, em comentários sobre o corpo da mulher que está
dançando no palco, na cypher, na roda, na sala de aula… entre inúmeras
outras situações onde a mulher se sente em posição de extrema exposição
ou de total invisibilidade.
Amiga leitora ou amigo leitor, talvez eu não tenha te apresentado
um contexto concreto em que eu te provasse que o universo da dança
ainda é machista e excludente, mas eu te pergunto: após essa leitura
nenhuma situação concreta e de exemplo veio na sua cabeça? Falar
sobre machismo na dança é sobre reconhecer a transferência de um
sistema patriarcal e politizado por figuras e ideais masculinos e,
principalmente, sobre se perceber dentro dele: você está atuando para a
manutenção deste sistema ou para a sua extinção?
Natália Beserra, bacharelada em dança pela UNICAMP e futura licenciada. Artista do corpo, professora e pesquisadora. Aspirante a produtora de conteúdo através da idealização do Projeto NAB. Profissional da dança contemporânea, iniciou suas práticas em 2002.
Comments