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Por quê pole dancers devem prestigiar a série P-Valley?



Por Jéssica Martins


A série P- Valley, que estreou em 12 de julho na plataforma de streaming Starzplay retrata o universo das Strippers através de um olhar feminino, com o objetivo de humanizá-las e retratá-las como sujeitos. De autoria da premiada dramaturga Katori Hall, a série é uma adaptação de sua peça cujo nome mais explícito é Pussy Valley. Katori Hall pesquisou por 10 anos esse universo para construir a série, entrevistando ao todo mais de 40 strippers por todo os Estados Unidos. Desde 2009 Katori passou a frequentar boates de strip-tease e constatou que a sociedade julga e estigmatiza essas mulheres.


A série gira em torno do clube de strippers Pink, situado na cidade fictícia de Chucalissa, localizada numa região pobre dos Estados Unidos considerada o Sul Sujo, até hoje marcada pelo passado escravocrata.


A trama se desenvolve a partir da chegada de uma novata, cujo passado misterioso intriga boa parte da equipe da casa.


Com elenco majoritariamente negro, P- Valley apresenta enredos que contam a história de seus personagens através de narrativas sobre maternidade, violência doméstica, homofobia, transfobia, racismo, corrupção, desemprego, exploração do trabalho, colorismo e fanatismo religioso.


Gerenciado por Tio Clifford, um personagem queer que amarra as trajetórias dos demais, o clube Pink vai sofrer investidas de um político corrupto que quer negociar as terras da região para a construção de um cassino.


Toda essa negociação vai impactar diretamente a vida dos funcionários e frequentadores do Pink. 


Numa cidade com poucas oportunidades de trabalho e crescimento, todos serão de alguma forma atingidos, tanto pelo novo empreendimento quanto pela possibilidade do fechamento do clube, que já anda atolado em dívidas que Tio Clifford há muito tempo não consegue mais administrar.


Diante do falso moralismo da comunidade, Clifford se empenha em apelar para a relação de prazer e divertimento que a população conservadora de Chucalissa tem com as agitadas noites no clube Pynk, já que este parece ser o único local onde homens e mulheres podem se encontrar, beber, dançar, fazer negócios e ver as incríveis dançarinas da casa dando um verdadeiro show no palco. 


Em meio à danças sensuais e acrobacias no pole dance, a série apresenta a vida pessoal das strippers de maneira humanizada. Elas tem família, filhos, estudam, ajudam os pais, algumas tem relacionamentos afetivos estáveis, planos de carreira... Por outro lado, algumas também sofrem violência física, patrimonial e psicólogica por parte da família ou parceiro. 


Outro tema relevante que é retratado na série através da trajetória de uma das personagens, é o estresse pós-traumático e a partir dele quais são as possibilidades de enfrentamento e de ressignificar o trauma sem recursos e também sem a devida ajuda psicológica.


Questões de raça, classe, gênero e território são explícitas e exemplificadas na trama. 

Quais as chances que essas mulheres teriam de seguir outros caminhos diante das condições sociais em que estão inseridas?


Porque julgamos as strippers como se elas não vivessem dramas semelhantes aos de qualquer mulher que exerce qualquer outra profissão ou nenhuma sofre? Esses são alguns questionamentos e reflexões que podemos fazer a partir das histórias que estão sendo contadas.


Desconstruindo esteriótipos hipersexualizados sobre dançarinas eróticas e profissionais do sexo, a série mostra personagens que respeitam o próprio trabalho e o local onde garantem seu sustento e de suas famílias. Há um forte senso de pertencimento e noção de classe. Não há romantização, pelo contrário, elas vivem as dores e os inconvenientes de trabalhar com entretenimento erótico numa sociedade machista como conhecemos. Porém, todas ali se mostram muito conscientes de que, apesar da sociedade tentar congelar as strippers nesse lugar pejorativo, elas tem valor. Fazem planos, sonham alto, juntam grana se preciso for pra realizar planos futuros, e sobretudo, se ajudam mutuamente.


Sobre a ficha técnica, Barbara Brown, Sydney Freeland, Tasha Smith, Geeta V. Patel, Tamra Davis, Milicent Shelton, Kimberly Peirce e Karena Evans foram os nomes das mulheres que dirigiram cada um dos episódios da temporada. Importante citar cada uma porque em nenhum episódio a cadeira de "DIRETOR" foi ocupada por um homem. Isso transparece nas cenas onde o close que normalmente ficaria focado em peitos e bundas, captou silhuetas, rostos e expressões de forma a não extrapolar na exposição dos corpos, o contrário do que costumam fazer quando em filmes ou séries aparecem strippers, que não tem rosto, nem falam, são apenas um corpo seminu. Destaque principalmente para as cenas gravadas no pole, onde foram captadas imagens que mostraram a complexidade das acrobacias executadas  e também as sensações e expressões das atrizes e dublês no alto da barra enquanto faziam os movimentos.


Jacqui Rivera, Liz W. Garcia e o diretor de cinema Patrik-Ian Polk,conhecido por seus filmes e trabalhos de teatro que exploram as experiências e histórias de pessoas LGBT afro-americanas, também dividiram o roteiro de alguns episódios com Katori Hall.


Por essas e outras que a série P-Valley vem sendo merecidamente aplaudida pela crítica, mas precisa sobretudo ser conhecida e prestigiada pela comunidade do Pole Dance mundo afora. Ainda mais por aquelas praticantes que tanto reforçam que as verdadeiras origens do pole dance como o conhecemos hoje vem desse lugar: das strippers.


Introduzindo um debate sobre liberdade sexual versus exploração do trabalho sexual, em P-Valley as personagens, mesmo vulneráveis, protagonizam sua própria história.


Nós que estamos inseridas no meio do pole dance precisamos urgentemente reconhecer e dar visibilidade para essa produção, em respeito aos anos de pesquisa que uma mulher negra dedicou, entrevistando dezenas de strippers e posteriormente reunindo uma equipe incomparável de atrizes, atores, diretoras e roteiristas, para tão bem representar esse universo agora na tv.


A boa notícia é que teremos segunda temporada!!!



 

Natural de Juiz de Fora MG, Jéssica Martins é instrutora de Pole Coreográficodesde 2019. Seu primeirocontato com a dançafoiatravés do pole dance, que praticadesde 2017. Apaixonada pela vertente Sexy Pole e Old School, se dedicatambémaosestudos de floorwork e slow flow.

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